Podem os pais deserdar um filho em favor de outra pessoa?

Susana Pedro

Escrito por:

Susana Pedro

Deserdar um filho é possível em Portugal, mas não é simples nem pode ser feito por mera vontade pessoal. A lei protege os filhos como herdeiros legítimos, o que significa que só em situações graves é possível afastá-los da herança.

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Apesar de não ser tarefa fácil, a legislação portuguesa permite aos pais deserdar filhos em vida. No entanto, não basta que essa vontade seja expressa em testamento sem motivo válido. Devido ao vínculo familiar próximo, os filhos encontram-se protegidos pela lei, não podendo ser afastados da sucessão. Neste artigo, explicamos em que 3 casos a deserdação é permitida, como funciona a divisão da herança e o que diz a lei sobre a indignidade sucessória.

Como funciona a divisão de uma herança?

Quando morres, a tua herança é dividida em duas partes: a quota legítima e a quota disponível.

  • Quota legítima da herança — está “destinada” aos herdeiros legítimos (cônjuge, pais, irmãos e filhos). Por norma, é de dois terços do seu valor, à exceção de situações em que o herdeiro é apenas o cônjuge ou apenas um descendente. Nesses casos, a quota legítima é de metade do valor da herança.

  • Quota disponível — diz respeito à parcela dos teus bens que podes distribuir livremente, normalmente um terço do valor total herdado.

Como tal, os filhos têm, por lei, direito a parte da herança, mas este pode ser-lhes retirado mediante casos excecionais. Imagina que tens um cônjuge e dois filhos: neste caso, a quota legítima corresponderá a dois terços do valor da tua herança e será partilhada pelos três herdeiros. O correspondente ao outro terço pode ser livremente distribuído, não tendo obrigatoriedade de ser deixado a algum familiar.

Neste caso, precisas de deixar definido em testamento a quem se destina a quota disponível. Na ausência deste documento, a herança é distribuída, na totalidade, pelos herdeiros legítimos.

Em que situações posso deserdar um filho em vida?

Caso tenhas cortado relações com o teu filho ou tenha havido algum desentendimento que te leve a querer deserdá-lo, fica a saber que não é assim tão simples. Um herdeiro legítimo é protegido pela lei, não podendo ser afastado da herança, salvo algumas exceções muito específicas.

Um pai só pode deserdar um filho caso tenha ocorrido alguma das seguintes situações:

  1. Se o filho for condenado por um crime grave contra o pai, os seus bens ou a sua honra, com pena de prisão superior a seis meses;

  2. Se fizer uma denúncia falsa ou prestar falso testemunho contra o pai;

  3. Se recusar prestar alimentos ao pai sem justificação.

Estes motivos têm de ser indicados claramente no testamento, com provas ou registos judiciais que os sustentem.

Nota:

Estas situações são válidas na deserdação de um filho, bem como de qualquer outro herdeiro legítimo, desde que se tratem de ações do herdeiro contra o autor da sucessão.

O que é a incapacidade por indignidade?

Para além das formas já mencionadas, existe ainda outro método pelo qual é possível deserdar um filho, através do mecanismo da incapacidade por indignidade. Segundo o Artigo 2034.º do Código Civil, existem determinados atos que tornam um filho indigno de receber herança:

  • Tentar matar ou planear matar o pai ou outros familiares diretos;

  • Fazer uma denúncia falsa ou falso testemunho com pena superior a dois anos;

  • Manipular, esconder ou falsificar o testamento;

  • Forçar ou enganar o autor da herança para fazer ou alterar um testamento.

Basta que se verifique apenas uma das ocorrências mencionadas acima para que a incapacidade por indignidade seja aplicada automaticamente, desde que os bens ainda não lhe tenham sido entregues. Caso contrário, será necessário ir a tribunal para pedir a exclusão.

Como retirar um filho da herança?

  1. Escrever um testamento onde se indica claramente a causa da deserdação;

  2. Após o falecimento, um notário valida o testamento e a legalidade do motivo.

A deserdação tem que ser expressamente mencionada no testamento com indicação da causa. É preferível até enquadrá-la nas exceções dos motivos legais já mencionados e, após a morte do pai, o documento será validado por um notário que confirmará a sua autenticidade e a legitimidade do pedido.

No entanto, o filho deserdado pode recorrer a tribunal para contestar a decisão, alegando a inexistência de causa invocada pelo pai. Este tem, no máximo, dois anos a contar da abertura do testamento para manifestar a sua intenção de se opor.

Decidir deserdar um filho em vida não é fácil. A nível pessoal, pode ser uma decisão com elevada carga emocional. A nível burocrático, acarreta algumas complicações, uma vez que a lei protege os herdeiros legítimos colocando entraves a esta decisão.

Se realmente pretendes deserdar um filho, informa-te muito bem sobre os procedimentos e certifica-te de que tens ao teu lado pessoas de confiança que te possam apoiar em todo o processo de deserdação.


Susana Pedro
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