O que é a usucapião e como funciona?

Susana Pedro Editor: Susana Pedro

Sabias que podes apropriar-te de um bem que não é teu se o possuíres durante um longo período de tempo? Trata-se de usucapião: explicamos tudo neste artigo.

Sabias que legalmente é possível apropriares-te de um bem que não é teu se o possuíres durante um longo período de tempo e de forma continuada? Esta situação designa-se por usucapião e através desta pode adquirir-se a propriedade plena de algo, inclusive de imóveis. Descobre como se adquire este direito e o que fazeres para invocá-lo.

O que é a usucapião?

O artigo 1287º do Código Civil estipula que “A posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo, mantida por certo lapso de tempo, faculta ao possuidor, salvo disposição em contrário, a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a sua actuação: é o que se chama usucapião”.

Uma vez invocada a usucapião por alguém, esta começa a produzir efeitos a partir da data na qual a pessoa tomou posse do bem (artigo 1288º do Código Civil).

Para haver este tipo de apropriação, não basta que haja uma posse material do bem. É necessário que quem possui tenha mesmo a intenção de agir como sendo o único proprietário do bem em questão.

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Ao fim de quanto tempo se pode invocar a usucapião em Portugal?

O prazo para a invocação deste direito varia consoante o tipo de bem a que se refere.

Consoante o Código Civil, se se tratar de bens móveis que não estejam sujeitos a registo, a usucapião dá-se ao fim de três anos após a posse do bem (artigo 1299º).

No caso dos bens imóveis, os prazos são os abaixo indicados.

Bens imóveis com existência de título de aquisição e registo

Gera-se o direito de propriedade sobre um imóvel ao fim de 10 anos a contar da data do registo e se este for de boa fé [alínea a) do artigo 1294º do Código Civil]. Se houver má fé, há lugar à usucapião ao fim de 15 anos a contar dessa mesma data [alínea b) do artigo].

Bens imóveis sem título de aquisição e registo

Quando não existe registo do título de aquisição, mas apenas mera posse, são necessários 20 anos se a posse for de má fé, ou 15 anos se for de boa fé (artigo 1296º).

Toma nota: boa fé ou má fé?

A lei portuguesa utiliza esta distinção para estabelecer os prazos da usucapião. Estar de “má fé” nesta situação significa saber que o bem possuído pertence a outra pessoa e aproveitares-te da ausência desta. A única diferença entre estar de “boa fé” ou “má fé” na usucapião diz respeito ao prazo para poderes invocá-la: se quem se apropria do bem estiver de má fé, acrescem cinco anos ao prazo que se aplicaria a quem estiver de boa fé.

Cabe referir ainda que, para que produza os devidos efeitos, a usucapião deve ser pública e pacífica. Isto é, o bem que está a ser alvo de mudança de propriedade não deve gerar quaisquer conflitos e deve ser reconhecido, de forma generalizada, como sendo de quem invoca a usucapião.

O próprio artigo 1297º é elucidativo nesta matéria: “Se a posse tiver sido constituída com violência ou tomada ocultamente, os prazos da usucapião só começam a contar-se desde que cesse a violência ou a posse se torne pública.”

Como é que se invoca a usucapião de um bem imóvel?

Para reclamar para ti um bem imóvel por usucapião, terás de solicitar que te seja reconhecido o direito à propriedade através de uma escritura de justificação notarial. Para tal, terás de declarar que és o proprietário do bem em questão, excluindo qualquer outra pessoa.

Deves especificar o porquê da aquisição e quais foram as razões que te impediram de comprovar através de métodos normais. Terás também de mencionar a natureza da utilização do bem e as circunstâncias que determinaram o início da posse e que deram origem à usucapião.

A lei determina que a utilização deve ser reconhecida de forma generalizada pelas pessoas nas redondezas, não deve dar origem a possíveis conflitos e que o uso do bem em si deve ser contínuo ao longo do tempo.

Podes pedir o direito de reconhecimento num serviço de registo predial, processo este que requer que reúnas as seguintes condições:

  • Os documentos que comprovem a tua situação concreta, sendo que estes podem variar consoante o que os serviços poderão considerar como relevantes;

  • Três testemunhas que não tenham uma relação de parentesco direta com o interessado que possam atestar relativamente à utilização do bem por parte do mesmo;

  • Afixação de editais;

  • Pagamento de emolumentos;

  • Um período para a oposição por parte de terceiros.

Caso não haja nenhum terceiro a contestar o direito de usucapião, então o bem imóvel passará a ser propriedade do interessado. Esta acaba por ser uma versão resumida deste processo. Mas, para um acompanhamento mais completo desta situação, aconselhamos que recorras a apoio jurídico especializado.

É possível invocar a usucapião de um imóvel arrendado?

Para que uma casa se torne tua por usucapião, não basta que sejas um mero detentor da mesma. Um inquilino de uma habitação arrendada não se torna proprietário desta ao fim de 20 anos. Isto porque a sua relação com o proprietário do imóvel existe, seja porque este emprestou a casa ou porque há um contrato de arrendamento. Desta forma, o detentor do imóvel (o inquilino) não se torna proprietário por usucapião.

Imagina que encontras um terreno que te parece abandonado e decides começar a arranjá-lo e a cultivá-lo. É possível que, dentro de 15 a 20 anos, possas então invocar a usucapião. Tornas-te assim, se ninguém reclamar o direito de propriedade em questão, o proprietário legítimo desse terreno.

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Este direito também existe nas heranças?

Supõe que recebes uma herança e que não procedes logo à habilitação de herdeiros, tornando-se difícil, com o passar do tempo, saber o que pertence a cada herdeiro. Neste caso, estes podem invocar a usucapião de maneira a legalizarem a posse de determinados bens.

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A usucapião pode ser revertida?

Se detetares que existe algum bem teu que está a ser alvo de usucapião de forma ilícita, deves atuar sobre isso e recorrer à justiça. Isto porque, para que se invoque este direito, é indispensável que seja de forma pacífica e não oculta.

Nestes casos, poderás avançar com uma ação judicial contra terceiros para que o direito à usucapião seja revogado. Consequentemente, a posse do bem será revertida para ti.


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