As doações de bens em vida podem ser uma forma de evitar conflitos futuros entre herdeiros. Porém, muitas questões normalmente se levantam: pode doar-se todo o tipo de bens? As doações pagam impostos? Como se faz uma doação? No caso da doação de bens imóveis é necessário celebrar uma escritura? Este artigo esclarece todas estas dúvidas.
Em que consiste uma doação de bens em vida?
De acordo com o nº 1 do artigo 940º do Código Civil, “Doação é o contrato pelo qual uma pessoa, por espírito de liberalidade e à custa do seu património, dispõe gratuitamente de uma coisa ou de um direito, ou assume uma obrigação, em benefício do outro contraente”.
Por outras palavras, uma doação mais não é do que um contrato através do qual um outorgante doa um bem a outro, renunciando livremente à sua propriedade sobre esse bem.
Os contornos e as características deste tipo de contrato encontram-se devidamente regulamentados no Código Civil.
Cabe referir ainda três aspetos importantes a reter sobre as doações:
- Não podem ser efetuadas sobre bens futuros;
- Têm de ser feitas em vida;
- O doador não pode delegar a definição deste contrato ou a designação do donatário num terceiro, nem por mandato (esta regra diz respeito ao caráter pessoal da doação).
Uma doação pode ser efetuada para bens de qualquer natureza, se bem que é mais comum ouvir-se falar de doação de imóveis.
Como fazer uma doação?
Segundo o artigo 948.º do Código Civil, todos os que possam contratar e dispor dos seus bens têm a capacidade de fazer uma doação em vida, sendo que essa capacidade é regulada pelo estado em que o doador se encontrar ao tempo da declaração negocial.
Tomemos como exemplo o caso da Nádia, filha única a quem a sua mãe quis doar o apartamento T1 que comprou nos seus tempos de solteira e que rapidamente se tornou pequeno para toda a família. Que etapas vão ter de passar para concluir a doação? Vejamos.
Passo 1: reunir os documentos necessários
Para fazer a doação do imóvel à sua filha, a mãe da Nádia precisa de ter consigo a seguinte documentação:
- Documentos de identificação (Bilhete de Identidade/Cartão de Cidadão) de ambas as partes (doador e donatário);
- Licença de habitação ou, se for o caso, de construção;
- Certidão de Teor da descrição predial e das inscrições em vigor, passada pela conservatória do Registo Predial;
- Caderneta Predial atualizada.
Passo 2: decidir se é necessário fazer uma reserva de usufruto
A reserva de usufruto consiste na possibilidade de quem doa poder reservar para si, ou mesmo para terceiros, o direito a usufruir dos bens doados.
Atendendo ao exemplo dado, poderia ser feita uma reserva de usufruto para a mãe da Nádia, o que implicaria que, embora o imóvel doado passasse a ser propriedade da filha, a mãe poderia usufruir do mesmo em caso de necessidade.
Passo 3: proceder à escritura de doação
No caso de doações de bens imóveis, é necessário que estas sejam celebradas por escritura pública ou documento particular autenticado.
Para que possa ter uma noção de como fazer um contrato deste género, poderá fazer o download do documento abaixo, que contém uma minuta de um contrato de doação com reserva de usufruto, retirada do Registo Predial Online:
A escritura de doação tem de ser feita num Cartório Notarial e neste podem ser concluídas todas as fases do processo, uma vez que aqui normalmente se trata não só da celebração da escritura, como também se liquidam os impostos e se faz o registo.
Em todo o caso, é sempre possível recorrer a um advogado antes deste processo para esclarecer dúvidas e tratar de quaisquer questões legais que possam ter impacto na doação.
As doações pagam imposto?
A resposta a esta questão depende essencialmente de um aspeto: a relação de parentesco entre doador e donatário.
As doações estão isentas de Imposto do Selo se forem realizadas a favor de:
- Descendentes (filhos e netos);
- Ascendentes (pais e avós);
- Cônjuge/unido de facto.
Todos os outros donatários que não se enquadrarem em nenhuma destas categorias têm de pagar 10% de imposto sobre o valor dos bens móveis que lhes forem doados e ainda um acréscimo de 0,8% se se tratar de bens imóveis.
Tome nota:
Como uma doação em vida não é um rendimento, não precisa de declarar esse montante para efeitos de IRS.
Quem pode impugnar uma doação?
Uma doação pode ser revogada se o beneficiário ou os seus descendentes morrerem antes do doador. É também possível que seja revogada por vontade própria do doador. De qualquer das formas, para bens sujeitos a registo, como um imóvel ou até um veículo, essa reversão terá de ser devidamente registada.
Segundo o Código Civil, outra das causas para uma possível revogação é a por ingratidão. Isto significa que, caso o donatário seja considerado indigno de receber a doação ou se verifique alguma das condições que determinam a deserdação de um herdeiro legítimo (como um crime com pena superior a seis meses de prisão contra o doador ou familiar), é possível reverter uma doação em vida.
É de realçar que, segundo o artigo 976.º do Código Civil, a ação de revogação por ingratidão não poderá ser proposta após a morte do donatário nem pelos herdeiros do doador, a não ser que o donatário tenha cometido o crime de homicídio contra o doador ou outra causa que o tenha impedido de revogar a doação. Nesse caso, os herdeiros do doador terão um ano a contar desde a morte do mesmo para propor a revogação.
No entanto, a revogação por ingratidão não poderá ser executada se a doação for feita para casamento, se for remuneratória ou se o doador perdoar o donatário.
Em que situações pode uma doação ser considerada nula?
Existem pelo menos seis situações em que este tipo de contrato pode ser inválido:
- Entre pessoas casadas se o regime de casamento for o da separação de bens;
- Entre um cônjuge e outra pessoa com quem o primeiro cometeu adultério, salvo se, à data da doação, já estava concluído o processo de divórcio ou já havia uma separação de facto há mais de seis anos;
- Por pessoas consideradas legalmente interditas/inabilitadas, a favor do seu tutor ou administrador de bens;
- Por uma pessoa doente a favor de um médico ou enfermeiro que estiver envolvido no seu tratamento se a doação ocorrer durante a doença e o paciente vier a falecer da mesma;
- Por uma pessoa doente a favor de um padre que preste auxílio espiritual se a doação ocorrer durante a doença e o paciente vier a falecer da mesma;
- A favor de um notário ou de uma entidade com funções similares que tenha intervindo no processo.
Concluindo, existem algumas vantagens que podem advir de se proceder à doação em vida: não apenas poderão ser evitadas disputas entre herdeiros como se gera segurança no património de quem doa, pois assim haverá sempre certeza de quem são os destinatários dos bens. Além disso, são necessários poucos passos para se tratar de uma doação, os quais poderão ser todos realizados num Cartório Notarial, sem grandes perdas de tempo e de dinheiro.